quinta-feira, 19 de junho de 2014

A voz do vinho

 

Um apaixonado pelo que faz! Irineu Guarnier Filho esteve em Santa Cruz e nos brindou com uma entrevista exclusiva
 


O jornalista especializado em agronegócio e vinhos, sommelier internacional, apresentador e colunista de vinhos na TV, e editor-chefe do site As Boas Coisas da Vida, Irineu Guarnier Filho esteve em Santa Cruz na semana passada, como convidado do encontro da Confraria do Sagu – tradicional confraria de análise técnica de vinhos da região – no qual participou e comentou a degustação às cegas de rótulos gaúchos da safra 2005. Este apaixonado por carros antigos e aviões é um defensor da desmistificação do vinho, ou seja, de seu consumo e serviço sem as pompas e rituais que acabam deixando a entender que a bebida seja pouco palpável a maioria. É um fiel defensor do bom vinho, seja ele de onde for, sem xenofobismos ou nacionalismos doentios. É literalmente um apaixonado pelas boas coisas da vida – título dado a seu site (www.asboascoisasdavida.com.br) onde ele e sua equipe dedicam variados conteúdos que – além da bebida de Baco – falam também de cerveja, gastronomia, viagens e eventos.

Irineu já cobriu – como repórter especial – eventos relacionados a arte enológica, agricultura e pecuária em todo o Brasil e em países como Chile, Argentina, França, Portugal e Israel. O agraciado em 2013 com o Troféu Vitis – Amigo do Vinho – na 21ª. Avaliação Nacional do Vinho concedeu esta entrevista exclusiva a Gazeta do Sul e blog Eu, Gourmet.

 
Em suas andanças por estes anos todos como jornalista, qual fato ou cobertura mais lhe marcou? 

Geralmente, cobri feiras agroindustriais, ou evento ligados ao agronegócio - nada muito aventureiro ou emocionante, portanto. Mas alguns lugares me marcaram profundamente: o deserto do Negev e Jerusalém, em Israel, pela história e beleza; o interior da França e, claro, Paris, cidade em que devo ter vivido em outra vida (se acreditasse em vidas passadas...); e o Douro e o Minho, em Portugal, pelas paisagens, pela gente e pelos vinhos.

 
Como você analisa o atual cenário vitivinícola brasileiro?

Há muitos - e bons - investimentos em qualidade, vinhos cada dia melhores, mas o mercado interno está crescendo pouco. Este consumo nacional de 1,8 litro de vinho por habitante ao ano é muito baixo. Ainda precisamos desenvolver uma cultura do vinho no país, para que a bebida se torne, de fato, popular, e um complemento rotineiro das refeições. Precisamos de escala de produção, redução de impostos e preços mais acessíveis para os produtos mais simples. Também precisamos acelerar a reconversão dos vinhedos, de uvas americanas para vitiviníferas. Com 80% de vinhos comuns, não seremos levados a sério em lugar nenhum. Uvas americanas deveriam ser destinadas unicamente para a elaboração de sucos. São excelentes para esta finalidade.  

 
O site As Boas Coisas da Vida tem muita identificação por quem o lê. Esta sempre foi a sua proposta de conteúdo?

O site é um projeto tocado com muita paixão por mim e pela jovem jornalista Lilian Lima, que trabalhou por muitos anos comigo no Grupo RBS. Falamos de vinhos, cervejas, cafés, gastronomia, viagens, hobbies e outros prazeres. Só coisas boas, de fato! As mazelas da cada dia mais triste realidade brasileira, deixamos para os jornais e os telejornais diários... Transformamos nossos hobbies em trabalho, e estamos muito felizes fazendo isso. O site ainda não tem um ano de existência, mas já exibe excelente volume de acessos, está bem conhecido no meio, e agora já conta com vários anunciantes, ou seja, virou realmente um negócio. Nós dois temos vários colaboradores, especialistas em diferentes áreas. Alguns escrevem regularmente para nós, outros eventualmente.  Os mais assíduos são o jornalista e expert em vinhos italiano Roberto Rabachino e o especialista em cervejas gaúcho Júlio Kunz. Mas temos colaboradores no Chile, Uruguai, África do Sul, França e em outros lugares. Um time de primeiríssima linha.


O Brasil - e em especial o RS tem ainda como melhorar seus vinhos? Qual seria o caminho para isso?

Sim, esse é um caminho sem fim - e sem volta. Sempre se poderá melhorar o produto que é feito aqui, seja com novos investimentos em agronomia, em enologia, em tecnologia e, principalmente, em marketing. Ainda se investe muito pouco em apresentação e divulgação de nossos bons vinhos. De nada adianta fazer um vinho excepcional se o consumidor nada sabe sobre o produto, ou nem sabe que ele existe.


Ainda há algum local promissor no Brasil ideal para produção de vinhos ainda pouco explorado?

O Brasil é imenso, possui muitos climas e solos diferentes, terroirs para a elaboração de todos os tipos de vinhos. A videira se adapta em quase todos os lugares. Além do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Bahia e Pernambuco estão começando a fazer bons vinhos. Gosto mais dos vinhos do frio e da altitude. Acho que o Planalto Catarinense, com altitudes acima de 1.300 metros, é um dos mais promissores terroirs brasileiros - especialmente para vinhos brancos, como Chardonnay e Sauvignon Blanc, e tintos leves, como Gamay e Pinot Noir. No Rio Grande do Sul, além da Serra Gaúcha, da Serra do Sudeste e da Campanha, tenho provado vinhos surpreendentes e deliciosos dos Campos de Cima da Serra. Acho que essa região promete muito.


O que você acha sobre os vinhos orgânicos e biodinâmicos? É uma tendência?

Gosto muito desta volta às origens. Um dia, todos os vinhos foram orgânicos. Acho que este modelo de agricultura baseada no uso intensivo de agroquímicos está com seus dias contados. E não apenas para a produção de vinhos, mas para a de qualquer alimento. Acho que não se trata de uma moda passageira, é uma tendência que veio para ficar. Quem não se ligar nisso, vai ficar para trás.


Você teve a oportunidade de engarrafar seu próprio vinho no ano passado. Como foi esta experiência?

Era um velho sonho, que pude realizar, por meio do curso Winemaker, da vinícola Miolo. Durante um ano, nossa turma, com 25 alunos, acompanhou todo o ciclo da videira, fizemos as podas, os tratos culturais, a vindima, a vinificação e, por fim, o corte. Tudo orientado pelo enólogo Adriano Miolo e sua equipe.  Elaboramos um Merlot, com uvas do Lote 43 da Miolo, e de Monte Belo do Sul, e 15% de Cabernet Sauvignon. Nosso vinho (com selo da DO Vale dos Vinhedos)  ficou 8 meses em barricas de carvalho francês de segundo uso. O vinho ainda está muito jovem, sou suspeito para falar, mas acho que, com mais alguns meses de garrafa, teremos um bom e honesto Merlot para beber com os amigos.


Qual a casta tinta que poderá ser o cartão de visitas do Brasil?

Cada região tem revelado uma casta mais adequada. No Nordeste e em Minas Gerais, a Syrah. Na Campanha, Cabernet Sauvignon e Tannat. Nas áreas mais altas e frias, Sauvignon Blanc e Pinot Noir. Na Serra, a Merlot já é considerada a uva emblemática. Mas eu, particularmente, gosto muito dos vinhos de Cabernet Franc da Serra. Além dos espumantes, claro, disparado o melhor produto da região.


Qual o seu prato preferido?

Massas! Adoro. Depois, um bom carré de cordeiro.




Qual comida você provou e não esquece?


Difícil dizer. Mas acho que os pimentões recheados com guisadinho que minha saudosa mãe fazia eram divinos. Só de me lembrar do seu aroma, me vêm lágrimas aos olhos...



Qual a sua personalidade mais admirada na área do vinho?

Conheci tanta gente bacana nesse meio que, escolhendo um nome, certamente estaria sendo injusto com muitos outros. Admiro muito alguns enólogos que conheci aqui no país, brasileiros e estrangeiros. Profissionais brilhantes. Mas tenho grande admiração e afeto por um mestre em particular, com quem aprendi e continuo aprendendo muito sobre vinho: o professor italiano Roberto Rabachino. Um grande nome do vinho mundial e, para meu orgulho, um amigo.

Qual a sua uva preferida?

Gosto muito da caprichosa e feminina Pinot Noir. 
 

Qual vinho provou e não esquece?

Um Cheval Blanc 1978, aberto pelo mestre Rabachino.

Qual a sua opinião sobre a posição de alguns produtores brasileiros em importarem vinhos de outra nacionalidade e distribuir por aqui?

Acho que, no mundo do vinho, não deve haver espaço para a xenofobia. Temos que estimular o consumo do vinho. Do bom vinho. Seja de onde for.

 
Por que Argentina e Chile produzem vinhos médios de tão boa qualidade e preço e o que as vinícolas brasileiras podem fazer para alcançarem este patamar?

Eles têm uma escala de produção incrível. Produzem muito, com qualidade, na maioria dos casos. Boa relação preço-qualidade. Mas também pagam menos da metade dos impostos cobrados aqui. Nossas vinícolas devem continuar elaborando vinhos top, mas também têm de produzir vinhos mais simples, de entrada, com maior escala e com boa qualidade. E lutar pela redução da carga tributária.

Deixe uma dica para quem está começando a se interessar em beber vinhos.

Leia muito sobre vinhos, há uma vasta bibliografia à disposição, converse bastante com quem sabe mais, faça alguns cursos, se puder,  e, claro, prove o maior número possível de rótulos que conseguir  - tendo sempre o cuidado, obviamente, de beber moderadamente.

 

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