quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Os desafios da Vindima 2016 no Rio Grande do Sul


Com expectativa de quebra em torno de 40% na produção e incertezas sobre a qualidade das uvas, aumento de tributação e custos produtivos, a safra 2016 do vinho gaúcho mostra-se preocupante e exigirá o máximo de conhecimento, técnica e dedicação dos enólogos e vinícolas.


Pois a vindima 2016 começou no Rio Grande do Sul, impulsionada por uma certa desconfiança de produtores e consumidores com relação ao volume e qualidade da safra. Fatores climáticos oriundos do fenômeno “El Niño” tiveram efeitos muito fortes sobre o estado e região Sul, impactando também nos vinhedos.


Geadas na metade de setembro e depois incidências de granizo em novembro e dezembro além de excesso de chuvas em dezembro – período de desenvolvimento dos compostos fenólicos que revelam-se de grande importância na enologia pois estão relacionados direta ou indiretamente com a qualidade do vinho, pois são eles os responsáveis pela cor, corpo e adstringência da bebida e os grandes responsáveis pelas diferenças entre uvas ou vinhos tintos e brancos, pela presença ou ausência de antocianinas.

Estimativas da Embrapa apontam cerca de 40% de quebra na safra 2016, o que significa possibilidades de uma grave crise nas vinícolas, principalmente as pequenas com pouco lastro e possibilidades mercadológicas.

Márcio Brandelli, Vinícola Almaunica, foto de Raquel Piegas
Conversamos com alguns enólogos que já estão imersos nos trabalhos da vindima sobre a expectativa para a safra recém iniciada e os depoimentos são diversos. Márcio Brandelli, da Vinícola Almaunica, no Vale dos Vinhedos – um das regiões produtoras menos atingidas pelo clima – diz-se otimista: “com a nova situação climática que está se apresentando, com dias ensolarados e de boa amplitude térmica, estamos muito otimistas. E a previsão é de chuvas abaixo da média até final de fevereiro para o sul do país”. E complementa que a perda com geadas e doenças fúngicas provocadas pelo El Niño foi de vinte e cinco por cento. O viticultor estima que com a quantidade menor de quilos por planta haverá um acréscimo na concentração de taninos, matéria corante e aromas e que haverá diminuição em torno de 50% na produção de vinhos finos brasileiros na safra de 2016. E afirma: “o enólogo deverá agora ter paciência para colher as uvas em seu melhor estágio de maturação. Esse será o diferencial para os grandes vinhos”.

Gabriela Pötter, Guatambu Estância do Vinho, foto de Leonid Strelieav
Gabriela Hermann Pötter – leia-se Guatambu Estância do Vinho – ainda comemora os resultados obtidos em 2015 onde a Guatambu cresceu 175% mas com os olhos na safra iniciada na vinícola sediada em Dom Pedrito que devido principalmente a três fenômenos climáticos ocorridos - geada no final de setembro; após ocorreram chuvas e granizo e por fim o El Niño – o resultado é uma produção de apenas 30% do potencial e média histórica dos vinhedos. Mesmo com a imensa quebra comenta que as uvas estão com muita qualidade, com bagas pequenas e mais concentradas. “É um ano difícil para quem produz uva, mas o consumidor irá se deliciar com o resultado. Cuidaremos de cada uva como sendo uma jóia rara”, atesta.  

A Guatambu realizou várias aplicações sistemáticas de bio-estimulantes para as plantas rebrotarem após a geada, e também de nutrientes foliares para aumentar as defesas das plantas contra o ataque de podridões, já que houveram dias muito úmidos. Nos últimos 10 dias o tempo está com boa insolação, o que favorece a maturação dos cachos, preservando a sanidade.

Questionada sobre novidades da vinícola para o ano, a enóloga explica que pela baixa produção de uvas apenas elaborarará vinhos das linhas já existentes, para atender a demanda de mercado. Mas lançará a linha de vinhos com a marca Lendas - oriunda de safras passadas e que descansam em barricas de carvalho – composta de vinhos varietais como Cabernet Sauvignon, Tempranillo e Tannat.

André Larentis, da Vinícola Larentis
Já André Larentis, enólogo da vinícola homônima do Vale dos Vinhedos, comenta que em relação a qualidade os próximos dias vão ser decisivos, pela previsão do tempo à princípio de muito sol, sendo que para os brancos espera-se uma safra dentro da média, e o tintos que possuem um longo ciclo ainda pela frente a esperança é de uma boa safra, mas com a expectativa de produção entre 20 a 30 % menor.  Para amenizar os efeitos climáticos André diz que foi necessário esforços muito acima do normal em relação ao manejo das plantas, com mais horas de trabalho dedicadas a desfolha, desbrote, desponte e aos tratamentos fitossanitários. “Safras como esta é sempre um desafio para o enólogo, a trabalho inicial deve ser focado em selecionar as uvas ainda no vinhedos e posteriormente a bagas, eliminando grãos que não atingiram a maturação e os comprometidos por alguma doença. Dentro da vinícola, o enólogo deve ter a sensibilidade para perceber qual é o potencial dos vinhos” comenta.

Miguel Ângelo, da Miolo Wine Group
“Entrei na vindima 2016 desiludido, hoje estou animado” brinca o enólogo Miguel Ângelo Vicente Almeida, da Miolo Wine Group e responsável pelos vinhedos localizados na Campanha Gaúcha, na Fortaleza do Seival em Candiota. Em outubro de 2015 choveram nos vinhedos 500 mm, o que é muita água em plena floração. “Se janeiro, fevereiro e março forem sem chuvas a qualidade não será afetada. Mas a quantidade sim, a nossa estimativa de quebra de produção vai-se cifrar entre 15 a 30%” sentencia. Para extrair o máximo de suas vinhas, o enólogo focará esforços no controle de maturação, controle da vinificação, trabalhando dia após dia.



Num momento da economia onde o dólar alcançou e se mantem em R$ 4,00 freando as importações - inclusive de vinho pela disparada do preço - o ano teria tudo para ser um marco na história do vinho brasileiro num incremento de consumo interno há décadas desejado, eventos como o aumento do ICMS no Rio Grande do Sul e do IPI para bebidas, somado agora a esta previsão de quebra na safra e muito pano para manga dos enólogos extraírem o melhor das bagas, a perspectiva de diminuição de produtos nas gôndolas e possível aumento de preços também para as vinícolas buscarem um ponto de equilíbrio aos seus custos desanima os amantes e simpatizantes do vinho brasileiro. O resumo disto é torcer para que tais indicativos tenham impacto bem abaixo do esperado e o consumidor final, razão de ser, tenha algum motivo para brindar.


                  

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