segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Posições


Há muito tempo não a via. A única lembrança que tinha era a dos tempos de colégio, quando sentavam juntos, lado a lado, às vezes um a frente e o outro atrás. Ele, mais jovem, era imaturo como os homens teimam em ser. Ela, mais segura, retentora de grandes virtudes morais e dona de um esplendoroso corpo de quase "metreoitenta", que destoava de seus primaveris dezesseis anos. Ele nutria por ela uma paixão juvenil, de espinhas e puberdade, mas uma pura e idealista paixão. Por outro lado, ela sentia por ele apenas um fraternal carinho, nada a mais, o que o trazia decepções e desencantos. Sua atenção era voltada a homens mais velhos, descompromissados de qualquer coisa, alternativos no jeito de ser e pensar e que paginavam desprezando o amor que ela derramava por eles. Vivia constantemente na contramão dos sentimentos. Pelas estradas do destino cruzaram-se algumas vezes, ele ora envolvido e ela ora solteira; ela ora compromissada e ele ora em busca de novas aventuras e experiências diversas. Seus olhares continham sentimentos loucos para se tornarem reveladores, mas nenhum dos dois avançava ou sequer sinalizava o caminho. E a vida distribuiu-os cada qual para um lado. Os tempos passaram, os amores também e certa feita um bendito email instigador das eras modernas fez com que se encontrassem novamente. E depois de muitas trocas, telefonemas, risadas e confidências marcaram o fatídico dia para verem-se mais uma vez e novamente. Era chuva – e como chovia! -, o carro parado no estacionamento do velho prédio onde ela agora morava. Ela esperava-o com uma sombrinha aberta só não maior que o seu sentir que misturava ansiedade, surpresa e apreensão. Ele encontrou-a carregado de vinho e ingredientes para um derradeiro jantar romântico. Abraçaram-se sob a sombrinha, sob a chuva, sob um universo que sempre conspirou contra mas que agora assistia-os de camarote. E foi um abraço do tamanho do mundo, eternizado nas películas dos melhores filmes românticos. Abriu-se um vinho, abriu-se outro vinho, o jantar foi preparado por ele, confissões, vino veritas e a noite acabou envolvendo-os como sempre desejaram mas que nunca haviam sequer imaginado. E mais noites vieram, mais dias também, as idas e vindas foram constantes, ora cá ora lá e como tudo na vida, a complexidade de um relacionamento mais sério assustou os apaixonados e acabou separando-os de uma maneira rompante, quase dramática. Ela nunca mais foi vista. Sumiu, mergulhada em novas paixões e novos romances e, pelo que falam, novas decepções. Nunca mais achou alguém como ele. E a ele, um amante das coisas boas da vida entre elas a cozinha, sobrou apenas a lembrança de um dos pratos de que ela mais gostava - agora preparado para uma nova e verdadeira paixão - os Canapés de Caviar de Salmão com Cheese Philadélfia e Cebolinha e, moleca do jeito que ela era, a lembrança de uma de suas brincadeiras preferidas, trocar as ovas de posição sobre as torradinhas lambuzadas com o creme de queijo. A seguir a receita desta inebriante crônica dois por dois.



Ingredientes:
Torradinhas para canapés
Caviar de salmão
Cream cheese ou cheese philadélfia
Cebolinhas picadas
Raspas de limão siciliano
Gotas de limão siciliano
Preparo:
Montar os canapés colocando um pouco de cream cheese em cada um com uma espátula ou pequena colher. Sobre elas dispor o caviar de salmão, um pouquinho em cada e pingar uma gota de limão em cada canapé. Distribuir a cebolinha verde picada e as raspas de limão siciliano. Servir acompanhado preferencialmente de espumante brut rose.

Artigo publicado no Jornal Gazeta do Sul.

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