quinta-feira, 7 de junho de 2018

A ruiva e o Cabernet Franc!


Margot enraizou-se na vida de Rogerinho embriagando-lhe com seu conhecimento sobre vinhos!  


Mais que um modismo passageiro, a culinária praticada pelos apreciadores da boa cozinha veio para ficar. O que agora contribui para a disseminação deste hobby são as diversas formas de expressar a criatividade e o bom gosto através dos malabarismos em forno e fogão. A identificação entre o gourmet e os seus apetrechos ocorre pelo fato de que este apenas se envolve com a cozinha quando assim desejar, quando tiver inspiração e tempo para tal, diferente dos cozinheiros diários que labutam, muitas vezes, para saciar a fome dos desesperados em volta da mesa, sem uma motivação artística, tornando o que para alguns é um prazer, uma obrigação. A cozinha acabou tornando-se o ambiente que acolhe os amigos, descontraído e moderno, um laboratório de paladares, cheiros e texturas.

A culinária está amplamente enraizada em nosso cotidiano. Outro dia li um artigo bem interessante sobre um método de seleção de novos profissionais utilizado por uma empresa recrutadora do centro do país, que em uma das etapas classificatórias para a oportunidade existente, acompanhava a elaboração de um prato a critério do candidato. A habilidade na cozinha não era avaliada, mas sim várias outras características de sua personalidade, tais como criatividade, improvisação, organização, administração do tempo, planejamento e objetividade. Quem diria que algo que sempre foi uma necessidade física – matar a fome - pudesse criar horizontes tão diversos daquela finalidade?  E colada na gastronomia vêm o vinho, esta bebida milenar do deus Baco que desperta tantas alegrias ao ser consumida, fazendo muito mais que o papel de companhia ao prato.    

E neste oceano até mesmo “causos” e histórias sobre receitas, ingredientes, bebidas e fatalidades espalham-se por aí. O vinho, logo ele, avinagrou na boca do amigo Rogerinho – um apaixonado pela arte das panelas - na tentativa de esquecer uma ex-namorada, uma belíssima ruiva que o deixou a ver navios. O Rogerinho trabalhava na capital naquela época, dentista, especializado em próteses e implantes, levava uma vida confortável construída em cima de sua competência e centenas de pacientes. Adepto as motocicletas circulava pela cidade com sua Harley Davidson preto fosco e num dos semáforos da vida conheceu a Margot, uma ruiva de olhos verdes e rosto salpicado de charmosas sardinhas. Sua pele branca e corpo escultural fizeram o dentista se anestesiar em sua própria saliva. Pois a conheceu melhor, se envolveram, se apaixonaram. Ela cultivava particular afeto pelos pratos preparados por ele, cozinheiro dedicado e metódico. Gostava e entendia muito de vinhos com especial apreço pelos argentinos mesmo a contragosto do Rogerinho que nutria admiração pelos vinhos gaúchos. 

Passaram bons momentos juntos até que algo inusitado aconteceu. Num domingo qualquer discutiram sobre um dos vinhos, às cegas ela chutou fosse um Petit Verdot  argentino afinal, conhecia sobre o tema. Rogerinho, um contraventor no mundo do vinho, disparou fosse um Cabernet Franc gaúcho. Entre veementes discorrimentos sobre aromas, paladar e olfato quase derramaram as taças. E, encerrando o assunto, descobriram o vinho retirando-lhe a capa negra que o envolvia para elucidar seu rótulo. E impressionantemente o Rogerinho acertou a uva e a nacionalidade, deixando Margot arrasada e brava com a sua petulância de bebedor amador. Ela saiu soltando as tranças, com os olhos marejados e o rímel escorrendo-lhe as sardas faciais. Bateu a porta sem olhar para trás e desapareceu. Dizem que mudou-se para a Argentina e percorre até hoje bodega por bodega fazendo degustações para tentar entender onde errou. 

E o Rogerinho? Ele acusou o golpe. Ainda se recupera mas lá se vão quase 5 anos. Por vezes ainda lhe verte a lembrança do semblante da moça ao perceber a taça de Cabernet Franc refletida sobre o granito de sua bancada.           

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