quinta-feira, 3 de abril de 2014

O mago das leveduras!


 
O enólogo Alejandro Cardozo esteve em Santa Cruz e falou de seu trabalho nesta entrevista exclusiva
 
Foto:Daniel Arraspide

Esta semana tivemos a honra de receber em Santa Cruz do Sul, no encontro mensal da Confraria do Sagu, tradicional confraria de vinhos da cidade, um dos mais brilhantes e inovadores enólogos da atualidade, o uruguaio Alejandro Cardozo, pai dos espumantes multipremiados X Decima e Estrelas do Brasil, consultor de várias vinícolas e um inquieto pesquisador de melhores métodos e processos produtivos, principalmente na elaboração de espumantes. Acompanhe a entrevista exclusiva do “mago das leveduras” feita ao jornal Gazeta do Sul e ao blog Eu, Gourmet.

 
Nome completo: Alejandro Alberto Cardozo Rapetti

Idade: 45

Nacionalidade: Uruguai

Time que torce: Nacional de Montevideu e Palmeiras

Cidade que reside: Caxias do Sul

Formação profissional: Formado na Universidade do Trabalho do Uruguai (UTU) na Escola de Vitivincultura no ano 1993

Empresas em que trabalha(ou): Na empresa Varela Zarranz ou Vudu desde o ano 1992 ate 2002; Piagentini / Grupo Decima desde 2003 até agora; Estrelas do Brasil: sócio junto com Irieno desde 2005 até agora; Guatambu desde 2011 até agora como Enólogo Consultor; Consultor em espumantes para Varela Zarranz desde 2007 até 2010 - H Stagnari; Capel em Chile e atualmente para Garcia e Schwaderer ( Bravado Wines) em espumantes.

Mora no Brasil desde: 2003

 
Quantos rótulos você já elaborou?

Muitos! Desenvolvi toda a linha de vinhos finos de Piagentini - Decima. Também desenvolvi toda a área de pesquisa em espumantes na empresa o que chamamos de I+D+I. Ajudei a desenvolver os rótulos da Guatambu e claro esta da Estrelas do Brasil como assim também de muitas empresas que não posso citar. Desenvolvi a linha de espumantes da Varela Zarranz (4 anos melhor espumante do Uruguai). A linha de espumantes da H Stagnari junto a sua equipe técnica como assim com a Capel e Bravado Wines. Ao mesmo tempo implantamos técnicas de elaboração que são hoje muito utilizadas por toda a indústria vinícola.  
 

Como você veio trabalhar no Brasil?

A convite da Piagentini para desenvolver a linha de espumantes e vinhos finos. Assim iniciei minha história e hoje elaboramos para quase 20 empresas como empresa prestadora de serviços e alguma de essas empresas usam 100 % nosso protocolo de elaboração.

 
Além do Brasil, em quais outros países você já desenvolveu vinhos também?  

No Uruguai e no Chile.
 

É possível produzir espumantes de alta qualidade pelo método charmat? Como?

Sim. E o melhor exemplo é a Chandon que faz um trabalho excelente. Porém nós preferimos fazer um trabalho bem diferente que é inovar e essa é nossa marca registrada nos Charmat que é “frescor”. Tendo uvas de boa qualidade e fazendo um trabalho importante de inovação tanto na forma de elaborar e como fermentar isso deu em espumantes únicos frescos, cremosos  macios  que como resultado de 3 anos de afinar protocolos e método ganhamos uma grande Medalha de Ouro no Concurso Nacional de Espumantes com o nosso X Décima Brut Rosé e uma Medalha de Ouro no Concurso Vinalies 2014 um dos mais importantes concursos do mundo.

 
Você é um enólogo inovador na produção de espumantes. Fale um pouco sobre este trabalho diferenciado.

Iniciamos nosso trabalho usando a casta Viognier e fermentando as bases em barricas junto com o uso de leveduras encapsuladas. Esta combinação era quase a de um enólogo louco! O Viognier foi um sucesso até o ponto que foi o único Viognier em estar na Avaliação Nacional de Vinhos até hoje. Os champenoise elaborados com Viognier e Chardonnay barricados foi também e a prova disso pelos inúmeros prêmios que conquistaram em concurso e avaliações. Isso tudo foi entre 2005 e 2006 tanto em espumantes elaborados na Décima como para a Estrelas do Brasil. Em 2007 iniciei dentro da empresa um trabalho de I+D+I (Inovação + Desenvolvimento + Investigação) para procurar novas leveduras, métodos e tal. Lembro da frase de Albert Einsten: “loucura é querer resultados diferentes fazendo tudo igual”. Por isso em 2007 iniciamos nosso processo nos questionando por que usar as mesmas leveduras que todo mundo usa e partimos para novas leveduras antes não pensadas para espumantes e o resultado foi muito exitoso. Elaboramos entre 300 a 600 garrafas por ano em testes e fazemos uma vez por ano uma degustação para colegas do nosso trabalho de pesquisa. Em 2010 decidimos que devíamos mudar nosso estilo em elaborar espumantes charmat, pois a impressão que tínhamos é que os charmat queriam imitar o método clássico e foi ai que partimos para fazer uma mudança radical em como elaborar espumantes, o que foi um sucesso. Elaboramos espumantes claros, frescos, jovens, frutados, cremosos e elegantes a preço competitivo.  Tivemos um ótimo incremento nas vendas, premiações em concursos e aceitação pelos consumidores. Dentro desse processo para Estrelas do Brasil começamos o caminho de fermentar espumantes com rolha em vez de tampa coroa, produto este que estaremos lançando no próximo ano, tendo como resultado um espumante muito diferente! Tem muito mais inovações e métodos, mas como resumo e o que nos deixa felizes, é que muitas empresas seguem nosso caminho. Quer melhor reconhecimento que esse?

 
O Brasil - e em especial o RS - tem ainda como melhorar seus vinhos? Qual seria o caminho para isso?

Tem. Sempre temos o que melhorar, como qualquer indústria e produto. Eu acho que temos como desafio entregar ao consumidor cada dia mais produtos e maior qualidade a preço competitivo, porém para que os preços sejam competitivos deve ter uma pressão muito forte do setor no quesito “impostos” que as empresas pagam. O consumidor reclama e parece que as vinícolas estão a faturar e ganhar dinheiro e isso não é bem assim. Vejam o preço dos produtos vendidos pelas empresas e o mesmo produto a que preço chega ao consumidor. Devemos melhorar a comunicação, simplificar o consumo de vinhos e, claro, ouvir e atender a demanda do consumidor, ver o que ele deseja beber, quais são suas preferências para entregar esse produto a ele.
 

Temos espumantes produzidos em vinhedos na Serra e na Campanha Gaúcha, e a Serra do Sudeste, é um bom terroir para este tipo de vinho?
Sim, é. E o melhor é que cada uma destas regiões possuem caraterísticas próprias possibilitando ao consumidor degustar espumantes de diferentes regiões e que seja ele que decida que região ele prefere.


Ainda há algum local promissor no Brasil ideal para produção de vinhos e ainda pouco explorado?

Acho que novas regiões vão aparecer sem dúvida, pois o Brasil é muito grande e com muitas regiões e microclimas específicos. Mas entendo que o que primeiro irá acontecer é aprimorar alguma região já estabelecida e as novas aos poucos irão tomando força como os vinhos produzidos em Minas Gerais e Goiás, por exemplo.

 
Fale da produção da casta Tannat no RS. É uma uva a se apostar? Quais as diferenças no vinho Tannat uruguaio e brasileiro?

O Tannat é uma grande casta que no RS se dá muito bem, tanto na Serra quanto na Campanha. Acho que aqui o Tannat é mais frutado e possui mais cor, sobretudo pela grande amplitude térmica que temos. O bom é justamente ter Tannat para poder degustar e comparar. Há Tannats no Chile e na Argentina que ainda não chegam por aqui mais em breve chegarão.
 

 
Você é adepto a passagem de tintos por barrica? Fale à respeito.

Sim. Mas desde que a madeira seja de qualidade e bem equilibrada. Qual o grande vinho que não passa em barrica? Todos. A polêmica que envolve o tema é que a madeira esconde defeitos e tal. Enfim, o vinho é bem democrático e cada um bebe o que gosta, porém, quando o vinho tem madeira de qualidade e bem dosada, ninguém rechaça este vinho. Como tudo, se mal usado, traz resultados ruins. 
 

Numa safra ruim, de que forma o enólogo consegue extrair o máximo de qualidade e elaborar bons vinhos?

Com muito trabalho de campo, com tecnologia de vinificação, e com estoque de vinhos de safras antigas para elaborar bons vinhos. Um detalhe: as safras nunca são todas 100% ruins talvez uma safra excelente para brancos não quer dizer que é ótima para tintos e vice-versa. Temos sempre como referência que safra boa é só para tintos, para mim safra boa é para brancos sobre tudo para os vinhos-base.

 
O que você acha sobre os vinhos orgânicos e biodinâmicos? É uma tendência?

Sim. E, sobretudo em orgânicos muitos produtores estão iniciando esse caminho e outros já iniciaram. Voltei a pouco de um tour na Austrália e Nova Zelândia onde quase todas as empresas tem ou estão a ter produtos orgânicos ou biodinâmicos. Estou me referindo a produtos assim elaborados de grande qualidade.
 

 
Qual sua uva preferida?

Sauvignon Blanc é a preferida entre todas. Não canso de degustar e descobrir SB. Também gosto muito de Carignan, Tannat, Pettit Verdot, Petit Syrah e Pinot Noir.

 
Qual o melhor vinho que você já degustou?

Difícil falar em um... Degustei algumas excelentes garrafas e alguma boa que se transformou em excelente devido ao lugar e a companhia.
 

A tecnologia faz diferença na produção de vinhos? Onde ela aparece?

Sim, muito! Principalmente em safra complicadas.

 
No Uruguai temos o Tannat, na Argentina o Malbec, no Chile o Cabernet Sauvignon. Qual a casta tinta que você considera que poderá ser o cartão de visitas do Brasil?

O Brasil deve ser ter o espumante como foco que acho que se perdeu quando tentaram dar ao Merlot tal responsabilidade. Acho que isso foi uma perda de tempo e norte. Está mais que demostrado que é excelente o que aqui se faz em matéria de espumante e ainda que o consumidor não acredite, somos referência quando se fala neste vinho. Temos tudo para isso: regiões, métodos, cultivares e, sobretudo, não estamos engessados como outros países com um mesmo método ou somente algumas variedades. Aqui pode-se criar, imaginar!
 

 
Qual a sua opinião sobre a posição de alguns produtores brasileiros importarem vinhos de outra nacionalidade e distribuir por aqui? Não é um contra censo?

Não. Esta prática não tem só no Brasil, mas em muitos países onde grandes empresas aproveitam seus canais de vendas e distribuição para ofertar um leque de produtos importados. Se eles não o fazem, alguém irá fazer.


 
Qual o vinho que você elaborou que mais orgulho lhe deu?

Irineo Dall Agnol Superiore 2005

Tannat Gran Reserva X Decima 2005 

Nature Estrelas do Brasil 2007

Decima Brut Rose Charmat

Guatambu Tannat 2013

H Stagnari Brut 2008

Varela Zarranz Extra Brut 2007

 
Por que Argentina e Chile produzem vinhos médios de tão boa qualidade e preço e o que as vinícolas brasileiras podem fazer para alcançarem este patamar?

Custos de produção e impostos! Temos o que todo mundo fala do “custo Brasil” que é líquido e certo, pagamos tudo muito mais caro que a Argentina, Brasil e Uruguai. Iniciamos o processo pelo custo de produção das uvas. Pagamos aqui uvas brancas de boa qualidade R$ 2,20; R$ 2,50 e até R$ 3,00 o quilo, ou seja, isso é preço de uva top em outros lugares. Pagamos mais caro por todos os insumos. Estamos presos em um oligopólio de fornecedores de garrafas ou seja,  somos reféns de 3 empresas, praticam o preço que querem nas garrafas e se dão ao luxo de não ter garrafas para vender e deixar meses sem fornecer. Os salários e os demais custos das empresas são mais altos e a carga tributária - se comparamos Chile e Uruguai que possuem uma taxa única, o IVA, que não passa os 23%, aqui varia de 45 a 55% de impostos. Também temos uma dimensão continental o que faz incrementar os custos de distribuição. Concorremos com um comércio de freeshop e com o descaminho, ambos muito fortes. Com esse contexto não tem como sermos competitivos, iniciamos o jogo largando atrás.
 

Prato preferido?

Os extremos: carne sempre assada na brasa e muito mal passada (e com osso) e frutos do mar.

 
Restaurante preferido?

Os que trabalham com excelência e seriedade. Em minha cidade atual 3: Umai Yoo , Bottega Pace e Andreas.

 
Uma vinícola - fora as que você trabalha - que admira, seja no Brasil ou no mundo?

Baigorri na Espanha a as da Austrália Nova Zelândia pela sua simplicidade no arquitetônico e capacidade de elaboração de grandes vinhos.
 

Personalidade admirada na área do vinho?

Os viticultores e os enólogos que criam e inovam e que, com poucos recursos, fazem grandes vinhos!

 
Deixe uma dica para quem está começando a se interessar em beber vinhos:

Experimente, deguste, prove, sem preconceitos, tome o que você gosta e ao longo do caminho você irá mudando e aprimorando seu paladar e preferências. Não se deixe influenciar!

 


 

 

 

 

 

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